Quero ser minimalista

Colocamos em nossa casa uma poltrona confortável, com a luz certa para leituras que nunca serão feitas, de livros virgens porque suas páginas nunca foram tocadas.

Compramos o que de há de mais atual em matéria de tecnologia: a maior TV que cabe em nossa sala para, depois, assistir séries pelo smartphone.

Há roupas no armário, ainda com etiqueta, esperando pra “dar uma volta”. E nós adiando o melhor momento de usar.

Quero jogar fora papéis de trabalhos que já acabaram. Que utilidade me teriam? As contas mensais têm prazo para descartar. Então, tem que ter um local em casa pra isso. Ou escanear tudo e guardar naquele hd externo de 2 Tera que preciso comprar. Ou é melhor um pendrive – menores gadgets, menos poluição tecnológica futura de minha parte.

Menos sapatos, menos papéis, menos cosméticos, shampoos, acessórios parados há meses, anos; relógios sem bateria ou guardados como lembrança… Ah, as lembranças. O papel do bombom que o primeiro namorado deu. O caderno de perguntas que todos os amigos preenchiam. As cartas de amor, tão doces – por que não as guardei? Iriam me dar um alento no futuro, lembrar que já fui amada tão pura e lindamente. Mas sei que fui.

E as fotos impressas? Minha primeira Kodak, com flash! Depois a preciosa Olimpikus Trip 35, que dobrava o número de fotos. A Polaroid: a emoção de ver em um instante o instante registrado após a sacudida no papel… Minha câmera de mergulho, quebrada na lua de mel, quase motivo de divórcio! Primeiras viagens, amigos, festas transmutados em memórias pra quando, aos meus 80, 90 anos, eu dê uma sacudida na menina que ainda morará em mim! E conte histórias pra quem tiver a paciência e a gentileza de ouvir, em frente a um rack vintage com a primeira máquina de escrever do meu pai e a sua rolleyflex com capa de couro.

Talvez o ato de eu buscar o minimalismo me permita salvar essas lembranças palpáveis, porque a memória já não estará a mesma. E, se estiver, serão motivo pra eu gargalhar, sofrer por aquela moça que desistiu de um grande amor, mas que se encontrou, ao se conhecer melhor e entender que a vida é uma pilha de vivências. E elas têm seu lugar. Mas é preciso, sim, aliviar essa bagagem e guardar o mínimo. Pouco o bastante para que deixe o coração e a mente livres, a contar as lembranças sob a ótica da sábia mulher que eu tiver me tornado. E que vai ser feliz com o necessário.

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